Por Gilberto Amendola
Nasceu de 7 meses. Na pressa, quase se enforcou no cordão umbilical. Nos primeiros meses, chorava não por dor ou desejo, mas por antecipação. Sabe-se que calculava o intervalo entre as amamentações para, tal qual um pequeno britânico, abrir o berreiro 10 minutos antes da mãe mostrar o peito.
Na escola, sofria com as lições de casa. Tão logo colocasse os pés no apartamento, afundava-se nos cadernos e resolvia todas as questões de uma só vez. Não almoçava antes de terminar o seu dever. Depois, agitava-se até o dia seguinte aguardando a correção da professora.
Foi um péssimo leitor. Lia 10 ou 15 páginas para, na sequência, correr para a última. Sempre quis saber, de antemão, se o mocinho iria morrer no final, se ele se casaria, se alguma peste do século passado terminaria com a vida do herói ou quem era o assassino. Odiava finais inconclusivos.
Escrevia cartas para as editoras, questionando se, por algum erro técnico, o livro havia sido impresso com menos páginas.
Aí ele cresceu com aquelas urgências de quem vai subindo o degrau do tempo. “Eu quero fazer 15 anos, quero terminar a oitava série, não vejo a hora de acabar o colegial, preciso fazer 18 anos, quando é que eu tiro a carta de motorista, como vai ser a primeira vez que eu fizer sexo…”
A primeira vez foi rápido.
Ficou pouco tempo nas redes sociais. Não suportava esperar por um “like”, a resposta de uma solicitação de amizade ou a contrapartida de um “oi” no chat do Face.
Antes de começar qualquer relacionamento, ele já desenhava o seu fim. No primeiro sábado de namoro com a Claudinha, disse que eles iriam terminar em dois meses – quando ela tivesse que viajar com os pais para Santos; com a Lucinha foi uma antecipação de traição, “você vai se interessar pelo Luís daqui 3 semanas”; com a Renata foi uma história de que ela iria querer ter filhos e eles terminariam antes mesmo da primeira tentativa.
Depois, desencanou de namorar. Não suportava a ideia de um futuro, de algo que ainda está por acontecer, das cenas dos próximos capítulos, da ideia de que as coisas mudam, os sentimentos se transformam e que nem tudo será sempre da mesma maneira.
Começou a pensar na própria vida como uma impossibilidade. Sofria pelo ano seguinte, pelo próximo mês ou semana. Mesmo o relógio que mostrava o comezinho do tempo também era doloroso. Deixou de viver no presente para mergulhar na antecipação do segundo seguinte.
Como seria a própria morte? Quando? Por quê? Onde? De quê? Por quem?
Um dia, tomado por perguntas e antecipações malucas, foi se refugiar em um museu. Comprou um bilhete e, aleatoriamente, entrou em uma das tantas salas do lugar. Respirando fundo e prestes a sofrer uma crise de ansiedade, deixou-se abraçar pela mulher na janela, pelo o autorretrado de um jovem pálido, pelo violinista esguio, pelo fumante solitário, por um fidalgo de rosto engraçado, por uma criança de vestido azul, por uma pera madura sobre uma mesinha, por um homem acorrentado, por um cavalo arredio, por um girassol muito amarelo, por uma mulher de rosto cubista, por…
Ele entendeu que a resposta para as suas ansiedades estava dentro daquele museu. Entendeu que o momento presente só existia ali, que os anos poderiam se passar, o mundo virar do avesso e ele envelhecer num piscar de olhos sem que nada daquilo sofresse um arranhão.
Os quadros eram pra sempre. Imutáveis. Perfeitos em sua dimensão restrita. Por mais que se esforçassem em interpretações profundas e cheias de conteúdo intelectual, uma mulher na janela seria sempre uma mulher na janela, um homem fumando seria sempre um homem fumando, um fidalgo de bigode seria sempre um fidalgo de bigode, um vaso um vaso…
Só os quadros são felizes.
E o ansioso encontrou algo que fizesse o tempo parar.
(EU NÃO SOU ANSIOSO, MUITO PELO CONTRÁRIO, SOU PACIENTE ATÉ DEMAIS.)
Fonte: https://br.vida-estilo.yahoo.com/post/134281436175/a-hist%C3%B3ria-de-um-ansioso-muito-al%C3%A9m-da-ritalina
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