quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Nosso Brasil

(NÃO SEI QUANDO FOI QUE ELE ESCREVEU ISSO, MAS CONTINUA ABSOLUTAMENTE ATUAL)

Pegaram o cara em flagrante roubando galinhas de um galinheiro e levaram para a delegacia.
 - Que vida mansa, heim, vagabundo? Roubando galinha para ter o que comer sem precisar trabalhar. Vai para a cadeia!
 - Não era para mim não. Era para vender.
 - Pior. Venda de artigo roubado. Concorrência desleal com o comércio estabelecido. Sem-vergonha!
 - Mas eu vendia mais caro.
 - Mais caro?
 - Espalhei o boato que as galinhas do galinheiro eram bichadas e as minhas não. É que as do galinheiro botavam ovos brancos enquanto as minhas botavam ovos marrons.
 - Mas eram as mesmas galinhas, safado!
 - Os ovos das minhas eu pintava.
 - Que grande pilantra...
   Mas já havia um certo respeito no tom do delegado.
 - Ainda bem que tu vai preso. Se o dono do galinheiro te pega...
 - Já me pegou. Fiz um acerto com ele. Me comprometi a não espalhar mais boato sobre as galinhas dele, e ele se comprometeu a aumentar os preços dos produtos dele para ficarem iguais aos meus. Convidamos outros donos de galinheiro a entrar no nosso esquema. Formamos um oligopólio. Ou, no caso, um ovigopolio.
 - E o que você faz com o lucro do seu negocio?
 - Especulo com dólar. Invisto alguma coisa no trafico de drogas. Comprei alguns deputados. Dois ou três ministros. Consegui exclusividade no suprimento de galinhas e ovos para programas de alimentação do governo e superfaturo os preços.
   O delegado mandou pedir um cafezinho para o preso e perguntou se a cadeira estava confortável, se ele não queria uma almofada. Depois perguntou:
 - Doutor, não me leve a mal, mas com tudo isso, o senhor não está milionário?
 - Trilionário. Sem contar o que eu sonego de Imposto de Renda e o que tenho depositado ilegalmente no exterior.
 - E, com tudo isso, o senhor continua roubando galinhas?
 - As vezes. Sabe como é.
 - Não sei não, excelência. Me explique.
 - É que, em todas essas minhas atividades, eu sinto falta de uma coisa. O risco, entende? Daquela sensação de perigo, de estar fazendo uma coisa proibida, da iminência do castigo. Só roubando galinhas eu me sinto realmente um ladrão, e isso é excitante. Como agora. Fui preso, finalmente.
   Vou para a cadeia. É uma experiência nova.
 - O que é isso, excelência? O senhor não vai ser preso não.
 - Mas fui pego em flagrante pulando a cerca do galinheiro!
 - Sim. Mas primário, e com esses antecedentes...

> > > > > (Luis Fernando Veríssimo)

Nenhum comentário:

Postar um comentário