terça-feira, 19 de maio de 2015

Um presente 'fora da caixa'.

Por Bárbara Semerene

Minha amiga Rebeca sempre foi daquelas pessoas que fazem tudo para se enturmar. Usa roupa da moda, trabalha em empresa "de grife", só freqüenta os lugares in. Até se casou e teve filhos para se enturmar (é, ela só se deu conta do estilo de vida que a aguardava quando já estava dentro dele). Como se todos os desejos (os dela e os de toda a turma) convergissem para o mesmo ponto, e, unidos em um só olhar, todos mirassem para um só horizonte, orgulhando-se de enquadrar-se, ainda que para tanto cada um tivesse de se entortar um pouco (ou um tanto). Para Rebeca, a necessidade de se enturmar era tão forte que ela nunca nem tinha parado para pensar qual o seu real desejo. A felicidade importava menos do que o sentimento de pertencer ao grupo.

De repente começou uma sensação estranha. Ela estava casada, duas filhas, empregão, maridão, babá, empregada, viagem internacional duas vezes por ano. Mas ela se sentia sufocada naquela vida tão estruturada. "Meu Deus, eu sou refém de tudo isso. Cadê a saída de emergência? Eu quero pular de paraquedas!", pensou. Parecia que já era tarde demais, já tinha criado raízes. Via-se presa dentro daquele script padrão, daquele universo limitado, onde todos parecem iguais: desejos uniformes, cabelos uniformes, roupas uniformes, bolsas uniformes, vidas uniformes.

Na véspera de seu aniversário de 38 anos, ela viu a oportunidade de parar de fazer bullying consigo mesma e dar um tempo da turma. A decisão não foi tomada de repente, em um ataque de fúria em um dia de estresse agudo. A ideia, para ela "revolucionária", surgiu a partir de uma ingênua e romântica pergunta do marido: "Amor, o que você quer de presente de aniversário? Uma roupa, uma jóia, uma cirurgia plástica, uma viagem em família, uma viagem a dois...", ofereceu. "Não quero jóia, não quero roupa, não quero cirurgia plástica, nem viagem em família ou a dois. Eu queria uma viagem sozinha, sem marido nem filhos", pensou, em silêncio. Não teve coragem de confessar seu desejo em um primeiro momento, apenas respondeu "vou pensar".

Foi matutando a ideia e se encheu de dúvidas: "como é que eu vou confessar para o meu marido que ficar longe dele e das crianças é um presente para mim? Como explicar que isso não quer dizer que deixei de amá-los? E, depois, como é que vou atender o telefonema de cada amigo, de cada familiar no dia do meu aniversário e explicar que estou viajando sozinha a passeio e por vontade própria? Que desculpa vou inventar?"

Mas ela resolveu enfrentar seus medos e frustrar as expectativas da turma toda. Falou de mansinho: "Amor, estou cansada. Na verdade, ando exausta. Estava pensando que precisava viajar sozinha uns dias. De repente na semana do meu aniversário. Mas no dia mesmo, você chega lá com as crianças e a gente comemora", ponderou. Surpreendentemente o marido achou uma ótima ideia: "Mas por que você não quer ficar sozinha no dia do seu aniversário também? Eu não me importo! Você merece descansar". Ela pensou, pensou, e confessou: "como é que eu vou explicar para as pessoas que me ligarem?". Então ele disse: "não atenda o telefone, simples assim, se desliga do mundo". Ela tinha mesmo um maridão. Que presente. Pensou.

À noite, cabeça no travesseiro, ficou desconfiada: "por que ele quer ficar sozinho com as crianças?" Em seguida se deu uma bronca: "não viaja! É você que quer ficar sozinha, Rebeca!". Depois se sentiu culpada: "e as meninas, coitadas, elas vão pensar que não as amo mais? Vou ter de inventar que tenho de trabalhar". Então, ela chegou a um meio termo: o marido e as crianças chegariam para encontrá-la no dia do aniversário, à noite. Só para o jantar.

A cidade maravilhosa foi a escolhida para viver esta experiência. Hora do embarque. Voo noturno. Beijo no marido, abraço apertado nas crianças. Lágrimas nos olhos ao se despedir. Finalmente sentou-se na cadeira do avião. Respirou aliviada. Abriu uma revista e leu calmamente, sem interrupções, durante todo o trajeto, cada página, cada linha de cada reportagem, olhou atentamente para cada propaganda. Teve tempo de olhar para os lados, observar os outros passageiros. Tomou um vinho calmamente. Desembarcou saltitante.

Na manhã seguinte, sentiu-se estranha. Meio perdida, não sabia como se programar, para onde ir. Até que se tocou: "não preciso planejar nada! Posso andar por aí, a esmo, se gostar de um lugar paro e fico o tempo que quiser". Pegou sua bolsa e saiu. Ao pisar na rua, abriu um sorriso. Não porque viu aquela paisagem estonteante. Mas porque não conseguiu conter a emoção de sair do hotel em menos de 20 minutos depois de acordar. Nada de ter de escolher a roupa nas crianças, escovar os dentes de cada uma, arrumar as bolsas, passar filtro solar, colocar boné e ainda ouvir o marido apressando todo mundo. Beliscou-se. "Estou mesmo aqui? Sem estresse? Sem negociações? Sem cara emburrada? Sem comentários previsíveis e respostas prontas? Sem ofensivas nem defensivas? Sem disputas? Sem discussões?"

Foi à praia, leu um livro, bateu papo com o vendedor de Biscoito Globo, escutou as conversas alheias, entrou no mar pelo tempo que quis. Parecia um sonho. Depois, pegou um ônibus pela primeira vez na vida. Parou no centro. Visitou um museu, uma igreja, bateu perna numa feira de rua. Comprou as bugigangas que quis sem marido aporrinhando para ir embora, nem reclamando do preço ou da qualidade do produto. Sem crianças pedindo para comprar essa ou aquela porcaria. Sem ter de decidir se pode ou não pode. Sem ter de dizer não e insistir no não. Nem dizer sim, só para não se amolar com um não. Parou em frente ao Teatro Municipal onde viu que em poucos minutos ia começar uma apresentação de ballet. Titubeou "será que encaro?". Depois pensou "Claro, se eu não gostar, vou embora".

Então se deu conta de que aquilo que era férias de verdade. Férias de si mesma. Depois repensou. Aquele era o primeiro momento em que ela verdadeiramente se encontrara consigo mesma. Sentada em um bar na Lagoa, pediu um champagne, sozinha, e brindou com a garrafa. "Prazer em conhecê-la, eu sou Rebeca".

(QUANTAS VEZES NÃO SENTIMOS ESSA MESMA VONTADE, DE SAIR, SOZINHOS, APENAS PARA APRECIAR A NOSSA PRÓPRIA COMPANHIA?
ACHO QUE MUITAS PESSOAS DEVEM SENTIR A MESMA COISA QUE REBECA, O QUE FALTA É CORAGEM, A MESMA QUE FALTOU A ELA NO COMEÇO.
ACHO QUE ISSO FAZ BEM, PARA TODOS, TIRAR FÉRIAS
UMA VEZ PERDI O CELULAR, FIQUEI UMA SEMANA SEM ELE, COMO FOI BOM...RS).

Fonte: http://www.brasilpost.com.br/barbara-semerene/um-presente-fora-da-caixa_b_7308626.html?utm_hp_ref=brazil

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