No ano passado, a misoginia online entrou na roda com o chamado "gamergate": diversas mulheres na indústria dos jogos, principalmente as desenvolvedoras Zoe Quinn e Brianna Wu, além da blogueira Anita Sarkeesian, foram alvo de uma onda de ataques machistas. No Twitter, no Reddit e em imageboards como o 4chan, as mulheres receberam ameaças de estupro e morte. Mais recentemente, a ex-colunista da revista Jezebel, Lindy West, apareceu no programa This American Life, acertando as contas com o mais sádico dos trolls que a assediam diariamente: um homem que criou um fake do recém-falecido pai dela para ofendê-la no Twitter. E ainda há a jornalista australiana Alanah Pierce, que ficou famosa por enviar printscreens das ameaças que recebia para as mães de seus assediadores, em sua maioria adolescentes.
(É COMO DIZ UMA AMIGA MINHA, QUASE TODOS OS HOMENS FORAM CRIADOS POR UMA MULHER, ENTÃO POR QUE ELAS NÃO OS ENSINAM A RESPEITAR AS MULHERES?)
Há algumas semanas, aqui no BrasilPost, a jornalista Ana Freitas publicou um texto sobre misoginia em chans e imageboards brasileiros. Nos comentários da página, as manifestações de algumas pessoas -- principalmente homens, mas não só (ISSO É QUE É DURO, AS PRÓPRIAS MULHERES CRITICAM) -- confirmaram perfeitamente as críticas expostas no texto. Para esses comentaristas, pedir respeito é "mimimi" e as mulheres seriam aceitas nesses espaços desde que não se identificassem publicamente como mulheres. Nada contraditório vindo de quem, por exemplo, se refere a mulheres como "depósito de esperma".
Sem entrar na discussão sobre a utilidade das sanções penais como forma de reparar a ofensa e evitar novas condutas antissociais (não é o melhor caminho que a humanidade poderia construir, mas é o que existe hoje), é inevitável que a empatia com o sofrimento dessas mulheres nos leve a indagar como punir essas pessoas. Qual o caminho a seguir? Devemos monitorar todos os fóruns online? E qual o peso deve ser conferido à punição? O Estado Brasileiro deve cuidar de perseguir penalmente esses criminosos?
Não há no Brasil previsão para a sanção por ofensas baseadas na discriminação por gênero, ao contrário do que ocorre, por exemplo, com a Lei nº 7.716/89, que trata de preconceito de raça e religião. No caso da Ana Freitas, assediadores chegaram a descobrir seu endereço e passaram a enviar pelo correio objetos comprados com cartões de crédito roubados. As outras mulheres citadas também tiveram roubados seus dados pessoais, cuja proteção ainda não tem disciplina legal no Brasil. Ainda assim, certas ações e mensagens podem ser consideradas condutas criminosas. Os xingamentos podem ser enquadrados como o crime de injúria; ameaças de estupro e morte também configuram crimes previstos no Código Penal.
Aplicar uma punição individualizada às pessoas que cometem esses crimes exige, antes de tudo, identificá-las e, portanto, enfrentar a questão do anonimato. E a possibilidade de navegar sem necessariamente ter que se identificar é um dos pilares da internet como a conhecemos.
Em parte, o anonimato é um dos aspectos que mais contribui para o potencial da internet inclusive como ferramenta de ação política. Pelo mundo inteiro, ativistas dependem da ocultação de suas identidades para falar livremente. E se hoje a internet é um canal de produção cultural fervilhante, isso se deve em certa medida ao caráter quase sempre anônimo da cultura do remix. Diante disso, faz sentido abrir mão do anonimato para garantir a punição de quem comete crimes? É um dilema que merece reflexão e escapa a qualquer resposta fácil.
Nossa Constituição Federal garante a liberdade de expressão, mas impede o seu exercício no anonimato. É bastante comum que essa disposição seja apontada como o fundamento para que sempre se exija a identificação dos internautas. Contra essa posição, no entanto, nos parece mais correto pensar que a finalidade da norma é permitir a responsabilização de quem fala. Daí, fica claro que a vedação ao anonimato não significa autorizar a vigilância em massa de todos os passos de todo mundo. O essencial é que seja possível atribuir a uma pessoa certa uma conduta ilegal específica, apenas quando e se ela ocorrer.
Além disso, o que fazemos na internet não é completamente anônimo. Mesmo que em geral não precisemos apresentar nosso RG, o tempo todo deixamos rastros digitais que podem ser seguidos. E as forças policiais de todo o mundo sabe bem disso. Até a promulgação do Marco Civil da Internet, o entendimento no Judiciário era que a requisição dos dados de conexão nem mesmo dependia de uma decisão judicial. Ou seja, o próprio delegado, durante um inquérito policial, poderia acessar dados de qualquer pessoa e invadir sua privacidade sem a supervisão da Justiça, sem respeito ao devido processo legal.
Pense que metadados são sensíveis e o quanto o big data permite inferir sobre a vida de uma pessoa. É assustador que qualquer autoridade policial pudesse decidir de forma unilateral pela quebra de sigilo. Não foi justamente por isso que o Snowden teve que se exilar na Rússia ao delatar os abusos da NSA e da agência britânica de espionagem?
As mudanças trazidas pelo Marco Civil, exigindo ordem judicial, estão na contramão da tendência mundial de aumentar a vigilância sobre a internet (ainda bem!), e por isso são acusadas de dificultar as investigações de crimes online. Mas a busca pela punição eficaz não pode enfraquecer garantias institucionais dos cidadãos e das cidadãs. É necessário que as investigações tenham alvos individualizados e definidos em vez de afetar a sociedade inteira. Por isso, é tão importante o modelo estabelecido pela nossa "Constituição da internet".
O medo leva ao vigilantismo. Não podemos aceitar nos render à tentação de comprometer a liberdade na internet em função de promessas ilusórias de mais segurança. Por outro lado, tampouco podemos ignorar que a internet é um ambiente em que se cometem violências. Ela não é um mundo separado do nosso, mas apenas uma outra interface para a interação real entre as pessoas. É por isso que nela reproduzimos o machismo, o racismo, a homofobia e todas as outras discriminações que enfrentamos no nosso cotidiano. Para esses casos, o anonimato não pode ser protegido, mas isso não significa que as garantias da presunção de inocência e da proteção à privacidade devam ser desconsideradas de forma ampla e generalizada.
Ou nas palavras do manifesto As Novas Dicas, "Se nós quisermos que nosso governo desista [de violar nossa privacidade], o acordo tem que ser que se -- quando -- o próximo ataque vier, nós não podemos reclamar que eles deveriam ter nos vigiado mais duramente".
(É UMA SITUAÇÃO COMPLICADA, O ANONIMATO É UM DIREITO, MAS TAMBÉM ALIMENTA ESSE TIPO DE COMPORTAMENTO, É MUITO FÁCIL AGREDIR ALGUÉM, QUANDO SABEMOS QUE NADA VAI NOS ACONTECER.
A IMPUNIDADE CATALISA ESSE TIPO DE COMPORTAMENTO, E ISSO VALE PARA TUDO MAIS QUE SE COMETE NESSE PAÍS.
EU TENHO UMA TEORIA, POR QUE SERÁ QUE NINGUÉM ULTRAPASSA UM CARRO NUMA CURVA? POR QUE PODE VIR UM CARRO EM SENTIDO CONTRÁRIO E BATER DE FRENTE – TODO MUNDO MORRE. OU SEJA, TEM PUNIÇÃO, E NESSE CASO, NÃO TEM ADVOGADO, NÃO TEM JURI, JUÍZ, TRIBUNAL, NEM APELAÇÃO, A PUNIÇÃO VEM NA HORA. QUAL É O RESULTADO: NINGUÉM ULTRAPASSA, POIS EXISTE A PUNIÇÃO.
ONDE NÃO EXISTE A PUNIÇÃO, EXISTEM OS ABUSOS.
SE VOCE ENTRA NA NET PRA CONVERSAR, SE DISTRAIR, ESTUDAR, JOGAR, ETC. SE VOCE NÃO TEM A INTENÇÃO DE AGREDIR NINGUÉM, QUAL É O PROBLEMA DE SE IDENTIFICAR? ISSO É QUE NEM USAR AQUELAS MÁSCARAS NOS PROTESTOS, SE VOCE FOI EXERCER O SEU DIREITO DE PROTESTAR, E PROTESTAR PACIFICAMENTE, PRA QUE A MÁSCARA? SE VOCE PRECISA ESCONDER O ROSTO, VOCE NÃO FOI PROTESTAR, FOI COMETER VANDALISMO).
Fonte: http://www.brasilpost.com.br/ibidem/misoginia-na-internet-com_b_6775474.html?utm_hp_ref=brazil
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