domingo, 15 de março de 2015

Velho é o preconceito.

Por Fernanda Pompeu

O que vou contar ocorreu em 1991. Meu sobrinho Igor completava 10 anos. Resolvi presenteá-lo com um voo panorâmico entre Sampa e Santos. Era um programa para a criançada organizado por uma agência de viagens. Chegando ao aeroporto de Congonhas, os pequenos foram recepcionados com alegria. E com sexismo. Para os meninos foram distribuídos quepes de pilotos. Para as meninas, chapeuzinhos de comissárias de bordo. A situação me fez lembrar a educação na minha infância. As garotas éramos treinadas a apoiar os garotos. No futuro: enfermeiras para médicos, secretárias para diretores, datilógrafas para escritores. Tal memória me deixou triste naquele dia alegre.

É certo, passados meio século da minha infância e 24 anos do voo panorâmico, muita coisa mudou para melhor. As mulheres estão no mercado de trabalho e algumas em cargos públicos e de chefia. Mas a injustiça permanece na remuneração menor do que a dos homens, nas oportunidades de ascensão mais raras para elas do que para eles. Persiste também a tragédia da violência doméstica.
No Brasil do século XXI segue comum, quase banal, o assassinato de mulheres com autoria de namorados, maridos e problemáticos ex. Não são casos isolados nem aberrantes. Eles apenas radicalizam a distorção cultural em que mulheres valem menos do que homens. Ou as boas mulheres obedecem. Mesmo aos homens ruins.

Quando eu tinha sete anos, uma vizinha, Marita, foi morta a tiros pelo marido. Fiquei espantada, pois ele - o assassino - era muito simpático com as crianças. Lembro que uma vez ele me deu uma maçã do amor. Apesar do crime, ele não foi preso. Algumas pessoas da vizinhança, inclusive mulheres, diziam: “Marita tinha um amante, um rapaz negro. O marido traído perdeu a cabeça”. Não obstante minha pouca idade, eu pensava: Puxa, sorte de quem nasce homem, pois ele perdeu a “razão” e ela a vida. Marita foi pra debaixo da terra. Ele tocou o futuro, se casou novamente e teve um casal de filhos.
Gostaria que o parágrafo acima fosse apenas lembrança de um tempo ultrapassado. Mas me informo que Marias e Maritas são assassinadas todos os dias. Ao mesmo tempo, muita gente diz que o feminismo e suas reivindicações não têm mais razão de ser. Que tudo se transformou, que meninas e mulheres estão muito bem na fita.

(TODO MUNDO SABE QUE AS DIFERENÇAS EXISTEM, E TENHO DÚVIDAS SE UM DIA DEIXARÃO REALMENTE DE EXISTIR, MAS NÃO ESTAREI AQUI PRA VER ISSO, ME CONTENTARIA SE MINHAS FILHAS CONSEGUISSEM TER UM MUNDO MELHOR PRA VIVER).

Fonte: https://br.noticias.yahoo.com/blogs/mente-aberta/velho-e-o-preconceito-113109394.html

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